quarta-feira, 25 de maio de 2011

Faltam 21 dias para o Bloomsday!

Última Tule

Erin, ó gente verde de mar argênteo
Ulisses

PONTO CULMINANTE DO CREPÚSCULO, a Irlanda é a última terra a ver o fim do dia. Já é noite na Europa quando um sol oblíquo ainda tinge de púrpura os fiordes e os desertos ocidentais. Logo, porém, que as nuvens se acumulam e que o astro se esconde, a ilha legendária volta a ser o lugar cercado de brumas e trevas que durante muito tempo indicou para os navegadores o limite do mundo conhecido. Para além é o abismo, o mar obscuro por onde, outrora, os mortos tinham acesso ao “país da eternidade”. Seus barcos negros, em praias de nomes estranhos, testemunham uma época em que viajar tinha algo de metafísico: são convites para sonhos sem margens, sem retorno. Encastelada nessa água fúnebre, a Irlanda só conhece o sobrenatural como fronteira. Seus momentos, suas paisagens são signos: essas torres redondas onde brilhavam as lâmpadas dos mortos, esses túmulos que se erguem solitários perto das vagas, essas montanhas, esses vales onde as fadas faziam seus concílios, esses lagos sombrios, essas cavernas abissais, essas calçadas de gigantes compõem menos uma entidade geográfica que uma paisagem espiritual, e de nenhum outro lugar o homem pode contemplar o outro lado de mais perto. O mar e a noite aberta para o infinito fazem da Irlanda uma terra que não é deste mundo, uma terra mística.

PARIS, Jean. Joyce. Trad. Maria Ignez Duque Estrada. ED. José Olympio: Rio de Janeiro, 1992.

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